Público 2/7/99  
RoboCup-98 começa hoje em Paris
Futebol sem chutos

Cinco robôs da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e três do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico vão disputar o Campeonato do Mundo robótico. Um campeonato sem chutos, sem "hooligans" e sem "craques", mas não isento de emoção.

Equipas de futebol de todo o mundo começaram ontem a chegar a Paris para um Campeonato do Mundo muito especial - e, ao contrário do França 98, Portugal também lá está, representado por duas equipas, uma de Lisboa e outra do Porto.

Os portugueses não terão de enfrentar adversários mundialmente famosos, como Ronaldinho ou Batistuta. Aliás, os "jogadores" são todos de estatura baixa, em média entre 20 centímetros e meio metro de altura, e nem sequer correm muito depressa. Mas prometem mesmo assim dar luta, nos campos da Cité des Sciences et de l'Industrie, em La Villette. É a segunda edição do Robot World Cup Iniciative (RoboCup) - Campeonato Mundial de Futebol Robótico.

A ISocRob é a equipa de três robôs futebolistas do Instituto de Sistemas e Robótica, do Instituto Superior Técnico (IST), que defrontará, a partir do próximo sábado, as outras 21 equipas participantes na Liga de Robôs Médios. Neste torneio participam os "craques" da Alemanha, Austrália, Itália, França, Irão, Japão e Estados Unidos - incluindo os campeões do Mundo 1997: a DreamTeam, da University of Southern California.

À Liga dos Robôs Pequenos, o Departamento de Engenharia Electrotécnica da Faculdade de Engenharia do Porto (FEUP) leva a sua equipa de cinco robôs, a 5DPO. A RoboCup'98 começa hoje, com uma "workshop" de apresentação dos projectos concorrentes. O objectivo da iniciativa, que se prolonga até dia 8 de Julho, é incentivar a investigação em inteligência artificial e em robótica inteligente (ver caixa).

Segundo Paulo Costa professor assistente da FEUP e "treinador" da equipa portuguesa de robôs pequenos, o nome 5DPO surgiu por analogia ao C3PO, o andróide da "Guerra de Estrelas". "O 'D' vem de dimensão - 5 robôs, 5 dimensões - e o 'PO' calhou bem, porque dá para Portugal", esclarece o investigador. Os cinco da 5DPO vão concorrer com mais 12 equipas, do Japão, França, Reino Unido, Austrália e EUA - nomeadamente com o actual Campeão Mundial da categoria, a CMUnited, equipa norte-americana "treinada" pelo portuguesa Manuela Veloso, investigadora do Departamento de Computer Sciences da Universidade de Carnegie Mellon.

O nome ISocRob também tem uma explicação: vem de Society of Robots (Sociedade de Robôs) e de Soccer (futebol) Robots e designa não só a equipa mas o projecto mais vasto de robótica cooperativa em que o Instituto de Sistemas e Robótica (ISR) está a trabalhar - uma investigação conjunta dos Laboratórios de Controle Inteligente e de Inteligência Artificial, coordenada por Pedro Lima e Pinto Ferreira, professores do IST e investigadores do ISR. Além dos professores, são responsáveis pelos robôs Rodrigo Ventura e Pedro Aparício, alunos de mestrado em Engenharia Electrotécnica de Computadores.

Tanto os robôs pequenos, da FEUP, como os médios, do Técnico, se movem graças a duas rodas com motores independentes. Podem andar para a frente, para trás, fazer curvas e "chutar" a bola ("empurrar" seria mais correcto) - ainda que não tenham pernas, nem braços para agarrar a bola, nem molas para a "pontapear".

No caso da ISocRob cada "jogador" - basicamente um cubo de menos de meio metro de diâmetro de rodas - possui um pequena câmara de vídeo Philips, que lhes mostra onde está a bola - uma boa oficial de futebol de salão, de cor laranja fluorescente -, as balizas, os outros dois companheiros de equipa e os adversários. Cada um tem, além disso, um receptor de infravermelhos que recebe os raios dos faróis dispostos ao longo do campo. Os robôs conseguem assim, com este sistema de triangulação, saber onde estão e para onde estão virados.

A cor é o elemento fundamental para o futebol robótico, explica Pinto Ferreira. Além da bola, as balizas também têm cores definidas (em princípio, uma azul e outra amarela), bem como os próprios robôs, que são também marcados a cor, sobre a cartolina preta que envolve o corpo do robô (na foto ainda estão "nus"). O campo, de 8 por 4,8 metros (equivalente a 9 meses de pinguepongue), é verde com marcações brancas. Os jogos duram 10 minutos (5 para cada parte), com 10 minutos de intervalo. As imagens captadas pelas pequenas câmaras são processadas pelo computador pessoal que existe em cada robô, graças ao "software" específico desenvolvido pela equipa do ISR, sobre o sistema operativo Linux. Os companheiros de equipa comunicam uns com os outros via rádio, numa rede Ethernet sem fios.

Segundo Rodrigo Ventura e Pedro Aparício, as principais ameaças ao bom desempenho dos robôs são os choques - que põem em perigo a integridade física do sistema. É certo que os robôs não estão preparados para cometer faltas, mas as falhas no sistema podem conduzir inadvertidamente a embates. É por isso que os robôs têm uma protecção de borracha, em baixo, tipo carrinho de choque. A outra ameaça que costuma surgir são as interferências às comunicações por rádio e por infravermelhos, provenientes de outras fontes emissoras de radiação e de equipamentos como os telemóveis. Mas os dois alunos prepararam os três robôs de forma a reduzir ao máximo essa possibilidade.

Menos inteligentes que um telemóvel

A principal diferença entre os "jogadores" médios e pequenos - para além da dimensão - é que nos pequenos, tanto a câmara de vídeo como o computador pessoal lhes "diz" o que fazer em cada momento, estão fora do robô. Também há na Liga dos Robôs Pequenos equipas que vão jogar com a câmara e um mini PC no próprio robô, mas esta é uma solução mais cara, explica Paulo Costa, mentor da equipa da FEUP.

Os robôs pequenos da FEUP têm uma dimensão de 14 por 11 centímetros e 10 centímetros de altura. "O guarda-redes é mais largo - 18 centímetros -, para coupar mais a baliza", explica o investigador. Conseguem "correr" a uma velocidade de 20 a 30 centímetros por segundo. "Alguns japoneses dizem que andam a um metro por segundo", adianta Paulo Costa, mas com dúvidas.

Os cinco robôs da 5DPO, mais simples, mecânica e electronicamente, que os da ISocRob, possuem apenas um microcontrolador - "muito básico, menos potente que o de um telemóvel", segundo Paulo Costa - e estão inteiramente dependentes de uma câmara de vídeo que é colocada por cima da mesa de jogo, conseguindo assim captar uma visão global.

A câmara fornece continuamente estas imagens a um PC, que processa, em cda momento, a informação sobre a posição dos jogadores e da bola, de forma a dar as ordens adequadas a cada "jogador", em tempo real. Os robôs recebem essa informação de actuação através de um sensor de rádio. Jogam com uma bola de golfe laranja, durante 20 minutos (com 10 minutos de intervalo).

O PC em causa é um Pentium II 266MHz com o sistema operativo MS-DOS. "O Windows não seria capaz de responder em tempo real. Fizemos testes a desistimos da ideia", adianta o professor. Os robôs da 5DPO, bem como todo o "software" que os controla, são da responsabilidade de mais quatro "treinadores", além de Paulo Costa: Armando Sousa e António Paulo Moreira, assistentes na FEUP; Paulo Alexandre Marques, estudante de doutoramente; e Pedro Luís Costa, estudante de Mestrado.

O projecto, tal como o de Lisboa, teve início no ano passado, depois de tomarem conhecimento do campeonato mundial de futebol robótico de Nagoya (Japão), o primeiro RoboCup oficial. Ambas as equipas receberam também o incentivo de Manuela Veloso, a investigadora portuguesa que coordena a equipa norte-americana que venceu no ano passado a Liga de Robôs Pequenos.

O ISR já tinham alguma experiência em campeonatos de robótica móvel, ainda que não de futebol: participa há 4 anos no torneio do Festival Internacional das Ciências e Tecnologias, em França, tendo mesmo ganho a edição deste ano (realizada em Maio), na classe livre - em que um robô tem de percorrer uma pista, com obstáculos, sobre uma espécie de tabuleiro de xadrez.

O projecto ISocRob está a ser financiado pelo programa Praxis e pela Fundação Calouste Gulbenkian. "Temos um orçamento de 500 contos para viagens e de 2000 contos para equipamento", explica Pedro Lima. "Embora destes 2000 não tenhamos gasto ainda uns 500 contos, não é dinheiro demais", adianta. A inscrição na Liga custou 160 contos e não há, segundo as equipas portuguesas, prémios monetários em jogo. Os concorrentes portugueses nem sequer sabem, aliás, se há ou não uma taça.

A 5DPO está a ser financiada pela própria FEUP, pelo Departamento de Engenharia Electrotécnica da faculdade, pelo pólo do ISR no Porto e pela EFACEC - a única empresa que acedeu aos pedidos de patrocínio. Os responsáveis pelo projecto estimam o seu custo total em mais de 1000 contos - uma pequena parte dos quais poderá ainda ter de sair dos bolsos dos cinco investigadores, adianta Paulo Moreira.

Rita Hasse Ferreira


Regras da FIFA só daqui a 50 anos

A primeira edição oficial do RoboCup, campeonato mundial de futebol robótico, realizou-se no ano passado, no Japão, mas a ideia de pôr robôs a jogar futebol é anterior. Em 1992, o investigador britânico Alan Mackworth sugeriu-a num ensaio intitulado "On Seeing Robots". Nesse mesmo ano, cientistas japoneses reunidos em Tóquio, numa conferência sobre os grandes desafios da inteligência artificial, sugeriram que se usasse o futebol para promover o desenvolvimento científico e tecnológico. A viabilidade do robô futebolista começou então a ser exaustivamente estudada - e o conceito foi recebido com entusiasmo por laboratórios de robótica e inteligência artificial de todo o mundo. Em 1996, realizou-se em Osaka (Japão) o ensaio geral: o Pre-RoboCup'96.

O objectivo último da RoboCup Federation, organização sem fins lucrativos com sede em Berna (Suiça), é que "em meados do próximo século, uma equipa de robôs futebolistas humanóides, perfeitamente autónomos, consiga vencer o Campeão Mundial de Futebol, num jogo profissional organizado de acordo com todas as regras da FIFA".

Mas os investigadores, nomeadamente os portugueses, não se lançaram a construir robôs futebolistas sem motivações de carácter científico muito precisas. Para a equipa do ISR, "fazer robôs futebolistas é muito aliciante" em termos da investigação em robótica porque constitui "um desafio muito complexo e dinâmico". Basicamente, é preciso fazer com que um conjunto de máquinas responsa cooperativamente a vários níveis diferentes de estímulos externos: dos seus "companheiros" de equipa, da equipa adversária, da bola, do próprio campo. "Há muita incerteza, muita indeterminação", refere Pedro Lima, que garante não saber como o robô irá reagir a certos estímulos.

Para Paulo Costa, o futebol robótico "é muito mais importante [que outros ambientes de teste] porque é mais realista". Ou seja, está muito mais próximo do ambiente humano, em que temos de jogar com comportamentos não previsíveis", explica o investigador. "O que é útil para a aplicação prática de robôs móveis em ambientes em que estes têm de circular pelo meio de pessoas, por exemplo".

A vantagem de o fazer num campeonato mundial é que aí poderão comparar as suas soluções com as dos investigadores de todo o mundo - além de haver um objectivo concreto comum, a que já se dedica uma vasta comunidade. Além disso, "estamos todos mais virados para o futebol", admite Paulo Costa. Os cinco investigadores por detrás da 5DPO são todos apoiantes do Futebol Clube do Porto. "Não é que merecesse, porque não nos deu o patrocínio que pedimos", adianta António Paulo Moreira. Em Lisboa, os professores apoiam o Sporting, enquanto os estudantes são benfiquistas.

Para Pinto Ferreira, do ISR, a popularidade do "desporto-rei" é, em si, um motivo forte que justifica que o RoboCup se faça em futebol e não noutro tipo de trabalho cooperativo qualquer, já que "é uma boa forma de atrair patrocinadores" - ainda que este ano as coisas não tenham sido fáceis para a FEUP.

R.H.F.